A educação tem um papel fundamental na formação do sujeito por estar presente em sua vida desde seus anos iniciais. É necessário que a educação acompanhe as transformações da sociedade, para que possa preparar as crianças para vida de forma integrada com o mundo.
Tendo isso em vista, as práticas educacionais têm sido cada vez mais debatidas, buscando encontrar maneiras de alcançar a formação integral do indivíduo. Uma alternativa que tem ganhado cada vez mais espaços dentro dessas discussões e que merece atenção é a transdisciplinaridade, uma abordagem que propõe um novo modo de pensar e de se relacionar com o conhecimento.
Portanto, para entender melhor sobre a transdisciplinaridade, é interessante começar pelo esclarecimento e diferenciação entre esse e outros conceitos que estão interligados e muitas vezes acabam sendo confundidos: disciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade.
Conceitos Básicos
Disciplinaridade: diz respeito aos campos de conhecimento que são compartimentalizados segundo uma visão cartesiana, buscando o aprofundamento em um conhecimento específico. Isso é feito a partir do isolamento do objeto ou conteúdo de seu ambiente para que possa ser estudado por si só, resultando no que conhecemos como matérias ou disciplinas escolares (língua portuguesa, matemática, história…).
Multidisciplinaridade: surge como uma tentativa de trabalhar mais de uma disciplina simultaneamente, mas é caracterizada por não propor reais interações entre os conteúdos, o que resulta em um trabalho muitas vezes sem significado. Nesta abordagem, um mesmo objeto de estudo é analisado a partir de diferentes óticas, cada uma pertencente a uma disciplina que contém seus próprios métodos, parâmetros e conceitos. Contudo, as disciplinas não se relacionam, não fazem trocas; dessa forma, não se cria novas percepções, apenas compartilham um mesmo ponto de partida.
Isso já é muito comum no contexto escolar: estuda-se na aula de História sobre a Primeira Guerra Mundial e sobre Expressionismo na aula de Artes, mas não é abordado, por exemplo, que esse movimento artístico e cultural foi motivado pelas consequências da 1ª GM. Dessa forma, não são estabelecidas, entre os conteúdos, relações que poderiam torná-los mais significativos ao colocá-los em um contexto mais amplo e conectado com o mundo
Interdisciplinaridade: propõe o intercâmbio de informações entre disciplinas, fazendo com que sejam integradas dentro de um contexto específico, como projetos escolares. O próprio prefixo “inter” já implica “reciprocidade”, evidenciando que essa estratégia necessariamente traz relações entre as disciplinas. Isso acontece principalmente de modo prático, partindo de um contexto no qual variadas óticas são necessárias para a resolução de um conflito, por exemplo. Nesse contexto, é comum que as disciplinas sejam trabalhadas de formas diferentes das quais estamos acostumados, com outro enfoque.
Usando como exemplo um projeto que traga o tema de sustentabilidade, um professor de matemática pode mobilizar os conteúdos a fim de calcular gastos mensais de água com dados trazidos pelos alunos; um professor de geografia pode abordar os impactos do desperdício de água em diferentes territórios ou períodos; um professor de língua portuguesa pode trabalhar as características de uma dissertação-argumentativa para que os alunos articulem os aprendizados ao longo do projeto… Enfim, observa-se ainda a existência de disciplinas, porém elas constroem relações entre si a partir de um mesmo tema, problemática ou iniciativa.
TRANSDISCIPLINARIDADE
Ultrapassando as limitações que as abordagens anteriores apresentam, a transdisciplinaridade procura transbordar as disciplinas e considera outras dimensões além da cognitiva ao trabalhar os conhecimentos. Dessa forma, propõe um aprendizado com espaço para intuição, emoções, sentimentos, formas de expressão… Tudo isso integrado com os conhecimentos propostos inicialmente pelas disciplinas, trabalhando então, de forma complementar e não antagônica à disciplinaridade.
A abordagem transdisciplinar adiciona uma camada mais profunda à relação entre diversas disciplinas ao combinar o âmbito cognitivo com as outras dimensões que perpassam o indivíduo, isso porque todas essas esferas funcionam de forma holística e não separadamente em momentos específicos do cotidiano.
Como o termo surgiu e foi consolidado?
O termo transdisciplinaridade foi citado inicialmente por Jean Piaget no I Seminário Internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice (França), em 1970, ao propor a reflexão a respeito do tema. Mais tarde, em Arrábida (Portugal), no ano de 1994, a UNESCO produziu a Carta da Transdisciplinaridade durante o Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade. Esse documento foi imprescindível para a definição do termo, pois discorre sobre questões que motivam o exercício da transdisciplinaridade e também sobre condições que caracterizam a abordagem.
Esse documento apresenta problemáticas como o desvinculamento das pessoas ao planeta,
- o que impede que tenham um olhar mais humano sob os problemas, necessidades e conflitos, buscando apenas o resultado sem considerar as implicações desse;
- um possível novo obscurantismo causado pela ruptura consigo mesmo devido a busca por conhecimento externo exacerbado em detrimento do autoconhecimento;
- o aumento da desigualdade social por meio da desigualdade nos processos de aquisição de conhecimento.
Como esclarecimentos a respeito do termo transdisciplinaridade, é sempre enfatizado na Carta a necessidade de não reduzir ou simplificar realidades, contextos, opiniões, lógicas ou o próprio ser humano. Também não cabem quaisquer práticas que evitem o diálogo sobre possibilidades, pois o conhecimento deve ser construído de forma compartilhada e conjuntamente, sem uma hierarquização de posições dentro de um contexto de aprendizagem ou saberes.
Enfim, a abordagem transdisciplinar, por transbordar as fronteiras entre as disciplinas, integrando-as em um contexto multidimensional (no qual outros âmbitos, como emoções, sentimentos, intuição, autoconhecimento, estão envolvidos e têm papel crucial), não permite aprendizado descontextualizado e, consequentemente, também não permite simplificação ou subestimação de culturas ou realidades, motivando o respeito pelas diferenças e resguardando suas complexidades e riquezas.
Transdisciplinaridade e aprendizagem significativa
Ao propor um outro modo de construção do conhecimento, em que há uma interação mais direta entre professores e alunos, espaço para integração dos estudos com as vivências dos estudantes e outras realidades a serem pensadas, a transdisciplinaridade também colabora para uma aprendizagem mais significativa por colocar o aprendiz em uma posição ativa na qual exercita suas ideias e opiniões, além de sua habilidade de pesquisa e comunicação.
Isso ocorre porque o aprendiz, ao perceber que têm espaço para trazer suas opiniões e mobilizar os conhecimentos em prol de sua realidade ou interesses, se vê como peça importante para o aprendizado coletivo – o que de fato é, pois traz novas perspectivas a serem debatidas, renovando conteúdos que antes poderiam ser tratados como incontestáveis. Dessa forma, a conexão entre aprendiz e aprendizado se estabelece de forma afetuosa e resulta em uma sensação de pertencimento ao contexto em que está inserido, servindo como combustível para que se engaje cada vez mais.
Momento de Transição
É importante lembrar que uma aprendizagem pautada na transdisciplinaridade não é uma realidade majoritária. A educação tem passado por um processo de transição no qual caminhos para sanar as necessidades da sociedade atual têm sido percorridos, em alguns contextos mais vagarosamente e em outros já sendo vislumbrados ou até mesmo vividos.
É crucial reforçar que a transdisciplinaridade não prevê a exclusão das disciplinas, mas sim propõe complementar conhecimentos que já são adquiridos com o desenvolvimento de outras dimensões do sujeito. Combinados, todos esses fatores resultam em uma educação transformadora que preparará as crianças e jovens para que realmente pratiquem o autoconhecimento, tendo relações melhores com a sociedade em seus diferentes níveis de proximidade e para que entendam sua potência enquanto agentes transformadores, adotando uma postura mais responsável e integrada com o mundo em que habitam.
Como a Little Maker exercita a transdisciplinaridade?
Na busca para que a transdisciplinaridade ocorra de forma fluida dentro de oficinas Makers e do próprio espaço escolar, a Little Maker desenvolveu micromundos fundamentados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que funcionam como disparadores para as criações de projetos autorais.
Em nossos programas possibilitamos que os limites disciplinares sejam transpostos por meio da criação. Dessa forma, tanto o aspecto cognitivo quanto o socioemocional são desenvolvidos contribuindo com uma formação integral do estudante, que passa a transitar entre diferentes aprendizados aproximando-os de seu cotidiano.
Para além dos próprios micromundos, o processo autoral e as reflexões propostas com o desenvolvimento dos projetos são caminhos que permitem que o estudante consiga enxergar seu aprendizado como parte de um todo, sem perder de vista as especificidades vinculadas a cada conhecimento específico. Assim, é possível conectar com o que é trabalhado em sala de aula e evidenciar a transdisciplinaridade como um elemento complementar na construção de uma aprendizagem mais significativa.
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